Eu estava tomando banho e pensando sobre como meus posicionamentos políticos foram moldados por artistas, intelectuais e ativistas queer racializados de humor politicamente incorreto que estavam em seu auge durante os anos 60, 70 e 80 do século XX. Todos eles, ou pelo menos uma boa parte, só conheci porque estava nas profundezas dos grupos de diva pop do Facebook em 2013, dos reblogs do Tumblr em 2014, e das ask fandoms do Twitter em 2015. Então, ocorreu-me que já faz mais de dez anos desde que tudo isso aconteceu e que não tem como voltar atrás, que as interações nessas redes sociais nunca mais voltarão a ser as mesmas de então, pois nossos valores culturais mudaram drasticamente desde que a internet passou a ser espaço prioritário em nossas vidas, e com isso, a necessidade constante de agradar o algoritmo. Não somos mais um público que usa redes sociais com o principal intuito de pesquisar, somos peões usados pelas empresas que as administram para gerar números de cliques e visualizações que serão convertidos em capital para alguém que não é nenhum de nós. Não estamos nas redes para postar desabafos com o intuito de encontrar ao menos uma pessoa que se identifique, ou talvez até tenhamos essa esperança de início, dado que o ser humano é um animal social e busca conexão em todos os lugares, mas essa esperança é eclipsada pelo desejo de ter uma publicação com alto engajamento, pois acima de tudo, o ser humano é um animal facilmente iludido pelos efeitos da dopamina instantânea que um gráfico em ascensão pode proporcionar.
E eu não me excluo disso em nenhum momento. Quando comecei minha jornada no Substack, a intenção era compartilhar textos que mantive guardados por um bom tempo. Dar uma casa nova às palavras que eu já não sabia mais como cuidar. Algo simples, sem pretensão. Mas logo me vi animada com a perspectiva de criar uma comunidade online, de conhecer outras pessoas interessadas pela escrita e pela leitura tanto quanto eu. E isso não é ruim, obviamente, mas é uma vontade traiçoeira quando você depende de um algoritmo, que por sua vez depende da frequência que você posta, que por sua vez depende do seu tempo e capacidade criativa.
Quando escrevo um texto, monto uma combinação de roupas, faço um almoço ou simplesmente organizo uma lista, levo mais tempo do que o necessário. Isto se deve a dois principais motivos: meu cérebro neurodivergente, que me deixa mais suscetível à paralisia sensorial, e meu perfeccionismo, que me impede de ficar satisfeita com a mediocridade, às vezes com um simpático “Bom”, quem sabe até um “Ótimo!”, assim mesmo, acompanhado de exclamação. Por isso, não posso simplesmente escrever um texto e imediatamente publicá-lo, porque se o fizer, provavelmente irei me arrepender e apagá-lo em algum momento — o que já aconteceu aqui, mais de uma vez. Mas não considero isso um defeito. Não mais.
Se eu não posso criar para a internet com a intenção de me encaixar em seu ecossistema, onde a exposição constante é a moeda de troca, então só posso criar para a internet com a intenção de me divertir e aprimorar o que sei sem me preocupar em parecer uma profissional logo de pronto, mas ainda me dedicando e me desafiando, porque gosto de me dedicar e me desafiar. Acho de extrema importância fazer as coisas apenas pelo prazer de fazê-las. Uma das minhas maiores aspirações é ser mais hedonista na vida, pois assim como praticar a autopreservação, essa também pode ser uma forma de rebelião.
Sempre que entro nas Notas do Substack, vejo alguém repetindo esse discurso exaurido: “Escrevo pras paredes”, “Eu e meus 4 leitores quando posto um texto novo [insira a imagem de um meme genérico]”, ou alguma variação disso. Embora eu entenda perfeitamente a vontade de ser lida, dado que venho tentando fazer com que isso aconteça há muito tempo, também não consigo espantar da cabeça o fato de que, às vezes, é bom ser desconhecida. Nem toda rede social precisa ser um espaço de monetização, e eu gosto de ver pessoas apenas mostrando suas criações online, sem a pretensão de virar um influenciador, sem se deixar assolar pelas exigências de um algoritmo.
E para falar do Substack, em particular, parte do seu apelo é justamente isso: oferecer a possibilidade de escrever e publicar sem medo de que isso vire uma grande coisa, se você não quiser. Mas, se você quiser, é provável que irá conhecer muita gente incrível e talentosa no caminho, pois muito dificilmente alguém irá crescer nessa plataforma sem fazer uma troca com quem está no mesmo barco. Ou seja, não depende apenas de frequência e sorte, o que é bem mais tranquilizante do que parece. Essa humanização é quase inexistente em outras redes sociais, e temo o dia em que ela vai se tornar extinta aqui, mas enquanto isso não acontece, encorajo todo mundo a provar dessa boa fase, senão pelo bem da esperança de um futuro mais sustentável da internet em geral, ao menos pelo bem da nostalgia.
Recentemente, li outros artigos que se encaixam na discussão sobre redes sociais, e gostaria de fazer algumas recomendações especiais, para quem se interessa pelo assunto:
#12 Sobre as Redes sociais, escrito pela
Aqui, a autora disserta sobre diferentes aspectos nocivos relacionados às redes sociais, mas sempre partindo da noção de alienação. É uma leitura mais densa, com diferentes referências, portanto é essencial para quem quer um amplo aprofundamento.
a importância dos hobbies, escrito pela
Focado menos nos problemas das redes e mais no que podemos fazer para que não sejamos sugados por esse buraco negro. Recomendo para quem deseja algo mais leve.
Substack vai apodrecer seu cérebro, escrito pelo
Esse é específico para nós que estamos aqui. É mais uma leitura que exige bastante atenção, e eu diria que deveria ser até um texto introdutório para quem acabou de chegar na plataforma.
The death of the public intellectual, escrito pela
Aos leitores que dominam a língua inglesa e que se interessam pelo cenário socio-político norte-americano, especialmente considerando tudo o que vem acontecendo recentemente nos EUA, esse é um artigo bastante esclarecedor.
Suas palavras me tocam de maneira inexplicável.
Tenho alma de escritora, mas ela foi sufocada pelos mesmos fatores que você citou acima. Porém, hoje enxergo como um mal que veio para o bem, pois a caminhada que comecei recentemente, em rumo a minha verdadeira "eu!" vai me levar a voltar a escrever publicamente, desta vez com propriedade e elegância, da mesma maneira como sei que você sempre escreveu.
Está longe, mas já estou quase lá ☺✊🏼
Estou começando agora na plataforma, vou ler o texto introdutório que você recomendou, hehe ✨
Concordo muito com suas palavras, precisamos fazer mais do que gostamos apenas pelo prazer do processo.
Eu gosto de apenas jogar o que sinto para o Universo, porque só a ação de me expressar já me traz um alívio e satisfação absurdos.
Claro que quando alguém lê e se identifica, meu coração se enche de alegria e gratidão, mas tento não me permitir depender disso para continuar criando. 💕